O Direito da Saúde e o Direito Médico são áreas que têm ganhado cada vez mais relevância no cenário jurídico brasileiro. Com o aumento do acesso à informação e a maior complexidade das relações entre pacientes, profissionais de saúde, instituições médicas e planos de saúde, as demandas judiciais nesse campo tornaram-se mais frequentes.
No entanto, a natureza altamente técnica e científica dessas matérias impõe um desafio particular ao sistema judiciário: como julgar fatos que envolvem diagnósticos, tratamentos, procedimentos e protocolos médicos sem o conhecimento especializado necessário? A resposta reside, fundamentalmente, na prova pericial.
A Complexidade Técnica como Barreira
Decisões em casos de erro médico, negativa de cobertura por planos de saúde ou disputas sobre tratamentos envolvem, invariavelmente, termos técnicos, análises de prontuários, exames complexos, procedimentos cirúrgicos e avaliação de condutas sob a ótica das boas práticas médicas e científicas. Um magistrado, por mais brilhante que seja sua formação jurídica, não possui, em regra, o conhecimento técnico para determinar, por exemplo, se um procedimento foi realizado corretamente, se um diagnóstico foi tardio por falha profissional ou se um tratamento solicitado é, de fato, o mais adequado para a condição clínica de um paciente.
É aqui que a prova pericial se torna não apenas útil, mas indispensável. Ela funciona como uma ponte entre o saber médico/científico e o saber jurídico, traduzindo a realidade dos fatos para uma linguagem e um formato compreensíveis e utilizáveis pelo juiz.
O Papel do Perito e a Essência do Laudo
A prova pericial é realizada por um perito, profissional especializado na área médica ou da saúde pertinente ao caso (um cardiologista em um caso cardíaco, um cirurgião em uma disputa sobre cirurgia, etc.). Nomeado pelo juiz, o perito atua como um auxiliar da justiça, com o dever de imparcialidade. Sua função é analisar os documentos do processo (prontuários, laudos, exames), e, se necessário, examinar as partes ou o local dos fatos, para responder a quesitos (perguntas) formulados pelo juiz e pelas partes sobre os pontos técnicos controvertidos.
O resultado dessa análise é formalizado no laudo pericial. Este documento detalhado descreve as diligências realizadas pelo perito, as informações coletadas, a análise técnica dos fatos sob a luz do conhecimento científico e, finalmente, as respostas fundamentadas aos quesitos. É no laudo que se encontra a avaliação técnica sobre a correção ou não de uma conduta médica, a existência de nexo de causalidade entre um ato e um dano, a pertinência de um tratamento, entre outras questões essenciais.
A Indispensabilidade do Laudo para a Decisão Justa
A importância do laudo pericial reside em sua capacidade de fornecer ao juiz a base técnica necessária para formar sua convicção sobre os fatos. Embora o juiz não esteja estritamente “preso” às conclusões do perito (podendo formar sua convicção com base em outras provas), na vasta maioria dos casos de direito da saúde e médico, o laudo pericial é a prova de maior peso e credibilidade, pois emana de um especialista imparcial nomeado pelo próprio juízo.
É o laudo que, por exemplo, permitirá ao juiz:
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- No erro médico: Averiguar se houve violação do dever de cuidado (negligência), prática de ato perigoso sem cautela (imprudência) ou falta de aptidão técnica (imperícia), e se essa falha causou o dano alegado pelo paciente (nexo causal).
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- Em disputas com planos de saúde: Confirmar a necessidade médica de um procedimento ou medicamento, avaliar se uma exclusão de cobertura tem base técnica ou se um atendimento foi negado indevidamente.
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- Em casos de tratamentos: Determinar se um tratamento oferecido ou buscado é experimental, se está previsto em protocolos clínicos, se há evidência científica que o suporte.
Sem o laudo, a decisão judicial seria, na maioria das vezes, um exercício de adivinhação técnica, com alto risco de injustiça para ambas as partes. O laudo pericial, portanto, confere segurança e robustez técnica ao processo judicial.
Benefícios para as Partes e a Resolução do Conflito
Além de subsidiar a decisão judicial, o laudo pericial beneficia as próprias partes. Ele esclarece os pontos técnicos controvertidos, permitindo que advogados e litigantes compreendam a real dimensão fática do caso sob a ótica da ciência da saúde. Um laudo bem elaborado pode, inclusive, incentivar acordos, ao evidenciar a força ou a fraqueza das pretensões com base em uma análise técnica imparcial.
Para o autor da ação (paciente/família), um laudo favorável é, muitas vezes, a prova principal para a procedência do pedido. Para o réu (médico/hospital/plano de saúde), um laudo que afaste a falha na conduta ou o nexo causal é essencial para sua defesa.
Diante da inerente complexidade técnica do Direito da Saúde e Médico, o laudo pericial emerge como um pilar fundamental para a busca por uma decisão justa e bem fundamentada. Ele transcende a esfera meramente probatória e se constitui em um verdadeiro guia para o julgador, traduzindo a linguagem da ciência para o universo do direito. Garantir a qualidade da prova pericial, por meio da nomeação de peritos competentes e da formulação de quesitos claros e pertinentes, é essencial para a efetividade da justiça nessas áreas sensíveis, protegendo tanto os direitos dos pacientes quanto a atuação ética e técnica dos profissionais e instituições de saúde. O laudo pericial não é apenas um documento no processo; é, frequentemente, a própria chave para desvendar a verdade técnica e alcançar a equidade nas ações de saúde e médicas.